Diversidade e singularidade de Everlyn Barbin, personagem-atriz de O Céu Sobre os Ombros
03 Julho 2011

Everlyn Barbin, 30, é a personagem real que interpreta sua própria história em O Céu Sobre os Ombros, sensível longa-metragem de Sérgio Borges que fechou o FAM 2011. O filme, híbrido de ficção e documentário, mostra três histórias tão singulares que parecem inventadas, mas não são. Uma delas é a de Everlyn, a transexual que divide a rotina de profissional de sexo com a vida acadêmica, formada em psicologia, mestre em literatura e professora de diversidade sexual e transexualidade em um curso de especialização na universidade.
Não é ficção, Everlyn é esta pessoa singular e ao mesmo tempo diversa. Nesta entrevista, ela fala sobre a experiência do filme e também dá a sua opinião sincera sobre esses mundos que parecem difíceis de conviver ao mesmo tempo, mas que ela reúne sem preconceitos e moralismos.
Pergunta – Foi difícil contar sua história no filme?
Everlyn Barbin – Foi muito difícil expor a minha intimidade, o meu corpo e o meu trabalho com a prostituição, cheio de convenções morais e éticas. Mas ao mesmo tempo tem a transexual que passou pela universidade , quando eu virei travesti eu já era mestre, já dava aula, a maioria nem está numa sala de aula. Ajudei no roteiro e queria que minha personagem transmitisse a prostituição como sagrado e como uma forma terapêutica.
Pergunta - A sua história é fora do comum, parece inventada. Como você consegue unir esses mundos na sua vida?
Everlyn – São dois lugares distantes, o trottoir e dentro da sala de aula de uma universidade como professora. Mas essa ponte é muito atual, em um tempo em que se está discutindo a diversidade sexual na escola. Eu só me tornei travesti aos 25 anos e não foi de um dia para o outro. Fiz terapia desde os 14 anos e nesse processo fui me descobrindo. Comecei aos poucos me experimentando, ia em festa com uma peruca, vestia alguma roupa de mulher. Um dia cheguei na terapeuta vestida de mulher e ela me deu alta. Depois fui para um endocrinologista para fazer um tratamento hormonal, que faço até hoje, pois tinha medo de injetar silicone ou outras coisas. Meu corpo se transformou e minha identidade se consolidou.
Pergunta – E a realidade da prostituição, como você trabalha isso?
Everlyn - Comecei por uma questão financeira, mas hoje é uma realização profissional. Encontrei outro sentido, que não é o da vulgaridade, está em outro lugar. Voltei aos clássicos, à literatura grega, à prostituição na antiguidade, estudei os mitos e a iconografia do hermafrodita. Prostituição era uma questão sagrada, a prostituta era uma sacerdotisa no sentido original, mas que foi soterrado pelas relações morais, de patriarcado. E hoje eu trabalho com o valor terapêutico das relações, que vão muito além da questão comercial.